- Esta intimação deverá ser entregue neste endereço... –
Disse um cidadão de bigode espesso e hálito forte de tabaco e café.
Ulisses contava tudo aquilo, com receio ao jovem Gabriel,
novato e sedento a ação.
- Pode ser um conto popular – Disse Ulisses conduzindo a
viatura policial e se dirigindo ao local ordenado pelo o chefe. – mas as mortes
são verdadeiras. Tenho uma tia que mora naquela viela, cara. E ela afirma já
ter visto várias vezes dois seres, um com a cabeça de porco e outro com feição
de sapo, rondarem as ruazinhas de madrugada, provavelmente procurando vítimas.
- Isso é irrelevante dizer. O que é mais importante neste
momento, meu caro, é que vamos bater na casa onde estes dois seres foram vistos,
pois aconteceu mais um crime na viela na noite passada e vítimas afirmam dizer severamente
que estes dois anormais vieram de lá.
- Um idoso ranzinza demasiado misantropo. Dizem ser o mais
antigo vizinho do beco. Depois que sua mulher e seu filho faleceram, de
tuberculose, o velho se enclausurou com a sua filha mais nova em sua casa de
uma tal forma, que poucos o viam. Anos mais tarde, foi á vez de sua filha, na
época com vinte e cinco anos, vir a morrer.
A solidão, às vezes, esmiúça até mesmo um eremita, meu caro. Apelamos até para a
maldade para não ficarmos só.
- O que você quer dizer com isto Ulisses? – Disse o jovem
policial mostrando interesse pela a conversa.
- Nada, meu caro. Eu só quero minha aposentadoria, nada mais
que isso. Só me faltam dois meses.
- Fale-me. Você tem algo em mente. Compartilhe.
- Não é nada. Só posso lhe afirmar que não estamos sozinhos
nesta terra. – O jovem policial franziu o sobrolho bastante admirado. – Você,
se estuda um pouco a antiguidade, há de convir que os homens adoravam seres
completamente esdrúxulos, principalmente os egípcios. As esculturas em pedras
são uma prova disso, bem como as artes desenhadas em grandes rochas. Lá podemos
ver vários seres com um formato diferente. Homens com cabeça de lobo, metade
homem metade cavalo. Enfim, várias deformações, e os homens os tratavam como
deuses. Sim, Gabriel; aquele velho doente adora essas imagens e, de alguma
forma, lhes deu vida.
Gabriel lhe olhou de
soslaio, muito desconfiado, e disse:
- Bela historia, Ulisses. Você quase me convenceu.
- Não seja sarcástico.
- Não estou sendo, amigo. Você realmente precisa se
aposentar. – Disse o jovem sorrindo.
- Bom, é aqui. – Disse Ulisses parando o carro.
Os dois desceram e bateram na casa do senil idoso.
Não foram recepcionados. “Era de se prever”, disse Ulisses.
- Senhor, temos ordem de entrar em sua residência nem que
seja a força. Por favor, colabore.
Quando os dois se programavam para derrubar aquela porta,
ela se abriu lentamente causando um ruído agonizante. Os dois entraram
cautelosamente. Ulisses mantinha sua arma em sua cintura, já o jovem Gabriel já
havia sacado a sua.
- Guarde isso, seu imbecil. – Disse Ulisses furiosamente.
- Senhor, podemos conversar? – Disse Ulisses alterando a voz.
Mais uma porta se abriu, dessa a vez do segundo andar da
casa. Os dois subiram e, enfim, encontraram o velho sentado em uma cadeira de
rodas e em avançado estado de decrepitude. Uma luz fraca iluminava malmente o
quarto lúgubre.
- Entrem. – Disse este.
Continuou...
- Queiram me desculpar por não ter ido lhes recepcionar, é
que realmente não houve tempo suficiente. Porém lhes respondi. Ouviram-me?
- Não senhor! – Disse Gabriel.
- A minha voz já não é mais como antes! Mas digam-me, que
privilégio de visita é esta, podem me dizer?
- Senhor, o senhor mora só? – Perguntou Ulisses.
- Praticamente.
- Ok, senhor. Tente colaborar com a gente. Na noite passada
ocorreu um crime hediondo perto de sua localidade. Um homem teve a sua cabeça
devorada. Peritos alegaram que a sua cabeça foi degolada por dentes. Um enorme
animal o devorou.
- Bom, mas o que eu tenho a ver com isso, meu jovem? Você
está me assustando.
- Testemunhas alegaram veementemente que o animal pulou o
muro de seu quintal, e que logo depois sumiu.
- Meu quintal é sempre alvo de peraltas, senhor.
Os olhos do velho se ruborizaram e suas veias pareciam que
iam espocar.
- O QUÊ?
O ser de feição de sapo, então, surgiu e soltou uma gosma
verde de sua boca em cima do jovem Gabriel que aos poucos foi se derretendo.
Aquela gosma ácida aguou o pobre rapaz. Ulisses ficou petrificado com a cena.
Surgiu, então, o seu irmão com a sua feição de porco.
- Suponho que esteja muito admirado, né soldado! Sim, com
certeza. Ah, aquela vadia. Não era para ter terminado assim. Juro para você que
não. Uma mãe jamais deve negar o seu filho, independente de como seja, concorda
comigo soldado? – Ulisses meneou sua cabeça. – O primeiro a sair foi o Jimme,
que os insensatos chamam diabolicamente de feição de porco. Depois veio o Jenny, o feição
de sapo. Eu mesmo fiz o parto. Quando ela os viu, a maldita gritou como uma
louca: “MONSTROS, MONSTROS, SÃO TODOS MONSTROS, MEU DEUS”. As crianças indefesas apenas choravam.
Como pode uma mãe odiar um filho do modo como ela odiou! Com a mesma navalha que
usei para tirar meus meninos daquela bruxa, enfiei no pescoço dela fazendo
espirrar sangue sujo nos meus bebês. Ela serviu de alimento para eles. Em vez
de leite, ela lhes deu sangue. As crianças lambiam aquele sangue imundo de suas mãos e do chão. Chupavam avidamente. E até hoje eles adoram o sangue. É o alimento deles.
- De quem você está falando? – Perguntou Ulisses, agoniado.
- De minha filha, soldadinho.
Ulisses, que nunca
havia sacado a sua arma antes, desferiu apenas um tiro no coração do velho
lúcido.
As crianças, de fruto incestuoso, choravam pela a morte do
amado e diabólico pai. Ulisses não teve coragem de atirar nas crianças. Pareciam
indefesas lamentando a morte do pai satânico.
Por Patrik Santos