Eu sempre fui um exemplo de padrasto. Servia de paradigma
para muitos. Eu amava aquelas crianças como se fossem meus filhos. A Caroline e
o Felipe eram as crianças mais doces do mundo. Porém, eles sabiam que eu não
era o pai legítimo, e sabendo disso, sempre soltavam esta verdade quando eu os
proibia de fazer algo. Eu os pegava e os colocava de joelhos no milho solto
granulado. Os joelhos das crianças ficavam com uma inchação preocupante e sua
cor, era a de um azul marinho muito escuro; pediam-me aos prantos que eu
tivesse compaixão, porém em debalde. Neste ponto eu era um homem demasiado
rude. Três dias depois do castigo, o inchaço virava uma espécie de pústula e a
mãe deles, mulher que eu a cultuava como uma santa, espremia aquele carnegão podre
que voava feito um jato.
Admito a vocês que eu tinha uma mania pertinente, a bebida.
Não obstante, a bebida não era o meu único vício. Comecei a usar drogas
destrutivas que me causavam alucinações e viagens paranormais. Eu usava aquelas
substâncias com a pretensão de esquecer o homem que matei em uma guerra. Elas
me acalmavam os nervos; era a única solução para enfrentar este caso e relevar
as travessuras das crianças que sempre quebravam uma de minhas coleções de
bebidas que se encontravam na adega.
Minha mulher, como disse antes, era uma santa. Uma mulher
resignada. Uma verdadeira mulher submissa ao homem. Ela nunca reclamava das
minhas bebidas e de minhas drogas. Porém eu virava o belzebu quando chegava
naquela casa e os encontravam trancados no quarto.
Eu rodeava a casa inteira a procura de um objeto para
quebrar aquela porta. A porta, no entanto, era de uma madeira bem firme e nunca
cedia. Tentei uma vez quebra-la com um botijão de gás, mas o que aconteceu, foi
que a porta rachou-se e eu pude ver apenas os rostos dos pestinhas preocupados.
A porta era a minha inimiga.
Meus dias de boemia não paravam.
Um certo dia, cheguei em casa cem por cento sóbrio. Não
encontrei ninguém na casa. A primeira coisa que pensei foi que a mulher foi
embora para a casa de sua mãe. Não me importei de imediato. Passaram-se dois
dias. Três dias. No quinto dia eu comecei a me preocupar. A solidão estava me
corroendo assim como as bebidas e as drogas.
Porém as drogas já não me acalmavam como antes. Ela me deixa
mais apreensivo. Eu tinha que arrumar outro meio de me acalmar. E achei!
A janela do segundo andar tinha uma visão que eu nunca tinha
apreciado antes. Nela eu via cada situação. Eu ria da vizinhança cafona que
tinha.
No entanto, tinha uma casa muito curiosa, e que jamais a
tinha visto antes. Nela, várias pessoas moravam.
Porém, um fato me deixou
intrigado. A casa, surpreendentemente, não tinha portas, apenas janelas.
Como poderiam as pessoas se adentrar ali? Todos os dias eu
me fazia a mesma pergunta.
A janela tornou-se o meu cantinho predileto da casa. “Antes
era a adega, agora é aqui”, Eu dizia a mim mesmo.
Eu fiquei paranoico com aquela casa. De manhã cedo, o
movimento nela já era constante. Às vezes até de madrugada. Eu ouvia vários cantos
vindos de lá.
Um dia saí e fui averiguar aquela intrigante casa. Rodeei-la
e não encontrei a maldita porta. Procurei algum modo de entrar nela, porém não
havia nenhuma ombreira. A janela era bem alta; e qual casa se entra pela a
janela? “A entrada só pode ser por um subterrâneo”, conjeturava.
Voltei para a casa com uma dor de cabeça impertinente.
Aquela intriga estava me acabando. Eu já nem dormia direito. Confesso que
sentia saudades das crianças e da minha santa mulher.
De repente, um som de sino veio do segundo andar da casa. Ao
chegar lá, constatei que o som vinha daquela maldita casa sem porta. Pus a
cabeça para a fora da janela, e ao olhar para aquela casa sem porta, vi as duas
crianças e a minha mulher com os rostos tristonhos e cabisbaixos olhando da
janela da casa. Fiz-lhes um breve aceno,
e este não foi respondido.
Não sei por que, mas me veio uma vaga lembrança de que já
estive naquele lugar onde eles se encontravam.
No apogeu de minha dúvida e intolerância, um homem, que
ignoro o rosto, disse-me:
- Triste por não estar lá?
- Nenhum pouco. – Respondi-lhe.
- Pois deveria. – Disse ele.
- Por que deveria?
- Lá é uma igreja. E
também posso chamar de céu.
- Como assim?
Ele conservou-se mudo.
- Bom, sendo assim, acho que queria estar lá.
- Sabes que não pode né!
- Como não posso? Eles são a minha família. Eu os amo.
- Assassino e suicida não são bem vindos ali. – Disse-me.
- O que quer dizer com isso, sua alma penada?
- Busque em suas reminiscências. – Disse ele com uma voz que
soava como um eco estrondoso.
- Não consigo! – Respondi com uma cólera indizível.
De repente lembrei-me de tudo o que aconteceu.
Naquela noite fria e chuvosa em que fiz uma rachadura com o
botijão de gás, entrei no quarto e matei-os com a minha pistola, meu precioso
instrumento de trabalho.
Por Patrik Santos
Por Patrik Santos
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