Imagine você, em sua casa, aproximadamente uma e meia da
manhã, um temporal infernal cai e a chuva castiga a sua janela fazendo um
barulho até confortador. Você está prestes a pegar no sono e de repente...
alguém dá uma porrada violenta em sua porta. Você se espanta atordoado e diz:
QUE PORRA É ESSA!
Bom minha gente. Foi exatamente o que aconteceu comigo.
Rapidamente desci as escadas da minha casa de madeira para averiguar que porra
era aquela. Ao olhar da minha janela toda quebrada, não consegui ver ninguém,
pois a escuridão predominava. Fui lentamente até a porta e abri-la bem
devagarinho. A chuva estava muito violenta e um frio desgraçado assoprou bem no
meu rosto. Senti minha boca entortar. Pensei até que eu iria sofrer um derrame.
Vi então, na minha porta, um pedaço de perna manca bem grossa. Foi com ela que
o filho da mãe havia batido em minha porta.
Puto pra caralho, fui até lá fora, no meio da chuva mesmo, e
gritei: FAZ ISSO DENOVO SEU FILHO DA
PUTA! SE TÚ FOR MACHO DE DOIS COLHOES, FAZ!
Voltei pra minha cama muito puto e voltei a dormir.
Ao olhar para o pirata, meu cachorro, vi ele se contorcer
todo. Parecia que estava sofrendo uma convulsão. Uma espuma branca, bem pastosa,
saia de sua boca. Fiquei muito preocupado e joguei uma água gelada nele. Ele
voltou ao normal e começou a latir tão forte como eu nunca havia visto antes.
Um latido grosso, muito parecido quando ele latia para um estranho. De repente
ele olhou para o teto de minha casa e deu um sussurro de medo. Agora ele se
tremia todo. Parecia estar com medo de alguma coisa. Olhei para o teto e não vi
absolutamente nada. “Passa daí, seu
passa fome”, disse eu, e voltei a dormir tranquilamente.
Eu sempre fui um cara eremita. Minha misantropia me afastava
de qualquer cidadela. Eu adorava morar no meio do mato. Eu nunca tive vizinhos.
Para mim essas porras são tudo uns bandos de filhos da puta. Se preocupam tanto
com a sua vida e não olham nunca para os seus rabos melados de merda. Pra você
ter uma ideia, a casa mais próxima da minha ficava a quase dez quilômetros.
Depois daquela noite, as coisas no meu barraco mudaram muito.
Meu sossego foi se afastando de mim, bem como a minha mulher que trocou a vida
do campo para ir morar com um veado granfino de merda.
Na noite seguinte, exatamente uma da madrugada, ouvi uns
arranhões vindos de minha porta. “O que será isso?”, perguntei-me. Averiguando
minha sobriedade e lucidez, cheguei à conclusão lógica que era o pirata que
estava fora de casa e estava querendo se adentrar. Calcei minha sandália, me
embrulhei com uma toalha e desci as escadas para coloca-lo para dentro.
Ao abrir a porta, o pirata entrou e se sacudiu todo fazendo
me espirrar lama e mato. “Seu sacana”, disse. “Vai pra dentro”. Os olhos do
pirata estavam fumegando e um rosnado temeroso saiu de sua boca. “Ai, caralho!
Tu tá doido, porra!”, disse furiosamente. “Passa pra dentro e para de dar uma
de doido”, disse eu. O cão rosnou mais alto ainda. Olhei pra ele e disse: “Não
vale a pena. Deixa pra lá”. Subi as escadas e voltei para a minha cama.
Quase ao pegar no sono, novamente ouvi arranhões vindos de
minha porta. Como isso? Eu tinha acabado de abrir a porta para o cachorro!
Intrigado e puto, desci para ver o que estava se passando lá embaixo. Chamei
pelo o pirata e ele não me atendeu. Balancei seu recipiente de comida e ele não
veio. “É, ele realmente não está aqui. Mas isso é impossível!”. Chegando perto
da porta, abria-a bem devagarinho. O pirata arranhava a porta desesperadamente
para entrar. Abri a porta com tudo e ele entrou abanando o rabo e soluçando
baixinho. Parecia estar com medo de algo. Na verdade nós dois estávamos com
medo. E aquele cachorro a quem eu abri a porta por primeiro? Quem era? Era o
pirata, eu tinha certeza. O quê está acontecendo comigo? Era impossível ele
sair. Não teria como.
Quando eu iria subir para deitar-me em minha cama, vi um
homem parado no meio da escada com os olhos fumegando de ira. Meu coração
palpitou tão forte que parecia que iria sofrer uma pane. Olhei para aquele
homem com os olhos arregalados de medo. Pus as mãos em meus olhos e quando os
tirei só vi o vulto do homem subindo a escada. “E agora meu Deus. O que é que
eu faço?”. Fui lentamente a minha estante para pegar a minha escopeta e de
repente ouvi algo se quebrando lá encima. Parecia som de vidro. Sim, parecia da
minha janela. Fui subindo lentamente as escadas com o cu que não passava nem um
alfinete. Chegando ao ocaso da escada, um silêncio predominou aquele local. Até
os insetos pararam de cochichar. Estava tudo em silêncio. Completamente. E a
escuridão não dava lugar a nenhuma emissão de luz. O homem parecia ter sumido.
Sim. Pulou pela a janela. Ao olhar minha janela, certifiquei-me de que ela
estava intacta. Impossível! Eu estava enlouquecendo. Não pode ser! Peguei minha
candeia e rodei por todo o alto de minha casa. Nada! O estranho homem havia
sumido.
Fui ao meu banheiro para lavar o rosto e ao tirar a toalha
de meus olhos, vi dois homens; um a minha direita e outro a minha esquerda;
todos sorrindo com seus dentes defeituosos e seus olhos vermelhos como a de um
coelho albino. Meus pelos se arrepiaram todos. Meu coração, agora sim, havia
sofrido uma pane. Quase que caio de tanto tremer, pois minhas pernas oscilavam
incessantemente. Ao olhar para trás, para vê-los, vi apenas meu cachorro me
olhando com a cara de fome.
Aquela noite eu não consegui dormir. Parecia que tinha
alguém me vigiando á noite toda. Pela primeira vez eu orei pra Deus. Cochilei
quase às cinco da manhã e acordei com o canto do meu galo velho rouco. Ainda
estava escuro. Ao olhar de minha janela, vi dois homens com enxadas na mão.
Sim, eles me viram. Apontaram para mim a enxada que seguravam e em seguida
jogaram uma pedra em minha direção. Agora sim havia quebrado a minha vidraça.
“Tô fodido mesmo”, disse. Tirei meu rosto para não espirrar nenhum estilhaço de
vidro em meus olhos. Ao olhar da janela, eles haviam sumido. “Ai meu caralho”,
disse eu tremendo de medo.
Mas alguma coisa me dizia que não eram os mesmos homens que
eu vi em minha casa.
Ao clarear o dia, peguei a minha caminhonete e fui até a
cidadezinha para saber se tinha alguma novidade. Sentei em uma lanchonete
fuleira e vi vários velhos conversando sobre um assunto que me chamou muita
atenção: era de um assassinato de dois homens que haviam participado da morte
de um padre defensor de causas humanas. “Dois homens?”, perguntei-me. “Por
acaso já acharam os corpos desses dois vagabundos?”, disse eu para aqueles
velhos. “Ainda não seu intrometido”, disse-me um deles. “Valeu”, respondi.
Ao chegar em meu barraco, surpreendentemente não vi o pirata
vir me recepcionar. Era a primeira vez que vi isso acontecer. Chamei-o por toda
a parte da casa, porém ele não me atendia. Já estava bastante preocupado,
afinal aquele passa fome era o meu único companheiro. Finalmente ele me
apareceu com um pedaço imenso de osso na boca. “De onde tu tirou isso, rapá?”, perguntei-lhe. Ele me abanou o
rabo e lentamente foi me levando até onde havia encontrado aquele osso. Era no
meu milharal. Chegando até o local, conclui que aquela ossada era dos dois
homens mortos que me apareceram naquela inesquecível noite em que eu não dormi
a noite toda. Foram enterrados bem no meu milharal. Que desova.
Por Patrik Santos
Por Patrik Santos
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